quinta-feira, 16 outubro,2025
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O recurso que ainda não chega a todos

Reflexões sobre o discurso da Ministra Margareth Menezes e os desafios reais da inclusão cultural no Brasil

Durante o Primeiro Seminário Nacional de Ações Afirmativas na Cultura, realizado em São Paulo, a Ministra da Cultura, Margareth Menezes, encerrou o primeiro dia de debates (07/10) com uma fala vibrante sobre o papel transformador da cultura. Ao lado do ator Alan Rocha, a ministra defendeu a cultura como “um elemento estruturante para o país, especialmente para populações periféricas e historicamente vulnerabilizadas”. Destacou também que “ações afirmativas não são limitadoras, são acolhedoras, para que todo mundo tenha acesso. Não é pra tirar de ninguém, é pra que chegue a todas as pessoas.”

Margareth Menezes lembrou que 98% dos municípios e 100% dos estados brasileiros já aderiram a políticas como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), além de citar iniciativas como Rouanet Norte, Nordeste, Favelas e Juventudes, que ampliam o alcance territorial e social do fomento cultural. É, sem dúvida, um avanço histórico para o Brasil, um país que por tanto tempo negligenciou seus fazedores de cultura.

Entretanto, ao observar de perto a execução dessas políticas, especialmente no interior e em comunidades periféricas, indígenas e ribeirinhas, percebe-se que ainda há um abismo a ser superado. Mesmo com toda a adesão e boa vontade institucional, muitos artistas, artesãos e mestres da cultura popular continuam invisíveis para o sistema. Não por falta de talento, mas por falta de acesso.

Há quem mantenha viva a identidade cultural de um povo através do barro, do cipó, da madeira ou da palha — mas que jamais conseguirá escrever um projeto, preencher um formulário digital ou sequer acessar a internet. São artistas que vivem da própria arte, mas vivem à margem das políticas públicas que deveriam incluí-los.

O problema é mais complexo do que parece. Não se trata apenas de ampliar editais, mas de repensar as formas de acesso. Enquanto os processos dependerem exclusivamente da escrita técnica e do uso da internet, os analfabetos e analfabetos funcionais — e eles são muitos — continuarão excluídos do sistema cultural, mesmo sendo parte essencial da cultura que o país busca preservar.

Talvez uma das saídas esteja na integração entre as secretarias municipais de Cultura e Assistência Social. As equipes de assistência já realizam busca ativa de famílias vulneráveis e conhecem territórios onde a cultura pulsa de forma espontânea. Um trabalho conjunto permitiria identificar artistas e artesãos com dificuldade de acesso, auxiliando-os na elaboração de projetos e inscrições em editais.

A proposta pode parecer utópica, mas a humanização das políticas culturais passa justamente por isso: encontrar caminhos possíveis onde o Estado ainda não chega.

A cultura, como disse a ministra, é “um ponto de socorro” — e talvez seja hora de ampliar o conceito de socorro para incluir não apenas o financiamento, mas também a mediação, o cuidado e o reconhecimento.

O Brasil é, de fato, um exemplo mundial de diversidade cultural. Mas será plenamente justo e plural apenas quando todos — do mestre ribeirinho das entranhas da Amazônia ao artista digital — puderem acessar com igualdade os meios de produção e fomento.

Enquanto houver quem crie e resista sem ser ouvido, a cultura ainda estará incompleta.

 

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